CONSULTA N. 2008.960211-3.
CONSULENTE: JUIZ DE DIREITO DA 8ª VARA DO JUIZADO ESPECIAL ITINERANTE DA COMARCA DE CAMPO GRANDE.
 
 
PARECER N. 60, DE 18 DE NOVEMBRO DE 2008.
 
 
O JUIZ DE DIREITO DA 8ª VARA DO JUIZADO ESPECIAL ITINERANTE DA COMARCA DE CAMPO GRANDE formulou CONSULTA a esta Corregedoria-Geral de Justiça visando obter resposta a respeito da possibilidade dos Registradores atenderem ou não as solicitações de pessoas reconhecidamente pobres que por intermédio daquele Juizado procuram obter segunda via das certidões de nascimento, casamento e óbito. Indaga ainda se os Registradores podem ou não inserir nas certidões emitidas por solicitação daquele Juízo a observação de que a certidão foi emitida para uso da Justiça Comunitária.
Registrada e autuada, seguiu-se a manifestação do Departamento Correicional (f.07/09).
É o breve relato. Passo a opinar.
Em primeiro lugar, indaga o consulente: “Ante o disposto no § 1º do art. 30 da Lei n. 6.015, se os Senhores Registradores podem ou não deixar de atender as solicitações deste Juízo”?
Dispõe o art. 5º, inciso LXXVI que são gratuitos para os reconhecidamente pobres, na forma da lei: a) o registro civil de nascimento; b) a certidão de óbito.
Este direito está regulamentado pelo art. 30 da Lei n. 6.015/73, verbis:
“Art. 30. Não serão cobrados emolumentos pelo registro civil de nascimento e pelo assento de óbito, bem como pela primeira certidão respectiva (Redação dada pela Lei n. 9.534, de 1997).
§ 1º Os reconhecidamente pobres estão isentos de pagamento de emolumentos pelas demais certidões extraídas pelo cartório de registro civil.(Redação dada pela Lei n. 9.534, de 1997).
§ 2º O estado de pobreza será comprovado por declaração do próprio interessado ou a rogo, tratando-se de analfabeto, neste caso, acompanhada da assinatura de duas testemunhas. (Redação dada pela Lei n. 9.534, de 1997)
§ 3º A falsidade da declaração ensejará a responsabilidade civil e criminal do interessado. (Incluído pela Lei n. 9.534, de 1997)
§ 3º-A Comprovado o descumprimento, pelos oficiais de Cartórios de Registro Civil, do disposto no caput deste artigo, aplicar-se-ão as penalidades previstas nos arts. 32 e 33 da Lei no 8.935, de 18 de novembro de 1994. (Incluído pela Lei n. 9.812, de 1999)
§ 3º-B Esgotadas as penalidades a que se refere o parágrafo anterior e verificando-se novo descumprimento, aplicar-se-á o disposto no art. 39 da Lei n. 8.935, de 18 de novembro de 1994. (Incluído pela Lei n. 9.812, de 1999)
§ 3º-C. Os cartórios de registros públicos deverão afixar, em local de grande visibilidade, que permita fácil leitura e acesso ao público, quadros contendo tabelas atualizadas das custas e emolumentos, além de informações claras sobre a gratuidade prevista no caput deste artigo. (Incluído pela Lei n. 11.802, de 2008).
§ 4º É proibida a inserção nas certidões de que trata o § 1o deste artigo de expressões que indiquem condição de pobreza ou semelhantes. (Incluído pela Lei n. 11.789, de 2008).
A questão da gratuidade dos serviços extrajudiciais prestados decorre de direito fundamental, constitucionalmente assegurado aos hipossuficientes insculpido no art. 5º, inciso LXXVI da Constituição Federal, garantindo aos beneficiários a isenção do pagamento de emolumentos.
Trata-se de princípio inserido dentre os direitos e garantias individuais, aplicável de plano, mesmo que inexistisse norma que regulasse qualquer dos direitos previstos no art. 5º da Carta Magna. Se assim não fosse restaria frustrada esta garantia constitucional e a pessoa que se declara pobre não teria o direito de exigir que o serviço prestado não se lhe seja cobrado.
No caso sob exame a Constituição Federal e a Lei dos Registros Públicos garantem aos reconhecidamente pobres o registro e a obtenção gratuita tanto da primeira certidão respectiva como das demais certidões extraídas do registro civil.
Logo, está claro como a luz solar, que os Oficiais do Registro Civil estão legalmente obrigados a expedir gratuitamente a segunda via solicitada por pessoas pobres, não havendo nenhum fundamento na recusa escorada na alegação de que não estão obrigados por lei.
Alerte-se, ademais, que a gratuidade concedida à pessoa cuja pobreza for declarada, não se refere apenas ao registro de nascimento e ao assento de óbito.
Nos termos do art. 1.512 do vigente Código Civil a habilitação, o registro e a primeira certidão de casamento também são isentos de selos, emolumentos e custas.
Regnoberto M. De Melo Jr., vai mais além. Na sua obra “Registros Públicos Comentada” leciona que não só a primeira como as demais certidões do assento de casamento também são gratuitas, verbis:
“O § 1º do art. 30 da LRP insere-se, penso, tão-somente por causa da falta de precisão da redação do caput, que insinua que somente a certidão do registro de nascimento e óbito são gratuitas. Vista d'olhos no regime jurídico encimado depara qualquer intérprete com a máxima de que todo e qualquer ato notarial e registral é gratuito para o pobre na forma da lei”(p.81).
Embora sejam gratuitos, os Oficiais do Registro Civil das Pessoas Naturais de nosso Estado são ressarcidos pelos assentos de nascimento e óbito e respectivas primeiras certidões e havendo receita, a integralidade das habilitações de casamento e respectiva primeira certidão, constituindo ônus do Registrador as despesas relativas à expedição em favor das pessoas reconhecidamente pobres das demais certidões de nascimento, óbito e  casamento, como selo, papel, impressão e postagem.     
Sobre a questão da requisição da segunda via, a iniciativa caberia também à Justiça Itinerante e Comunitária?
Como ressabido, esta Justiça Especializada desempenha diversas atividades; dentre elas atende pessoas pobres e carentes em diversos bairros da capital que procuram o 8º Juizado para, além de outros serviços, obter segunda via de certidões de nascimento, casamento ou óbito cujos originais extraviaram, foram furtados ou não tem condições de uso.
Analisando-se os princípios e  objetivos catalogados no Capítulo I da Resolução n. 383, de 24 de Abril de 2.002 (Regimento Interno da Justiça Comunitária do Estado de Mato Grosso do Sul) conclui-se sem qualquer dificuldade que  a prerrogativa de requisitar segunda via não se restringe apenas ao(s) registrando(s).
A iniciativa cabe também à Justiça Comunitária porquanto ela possui entre tantos objetivos, a meta de construir uma Justiça cidadã, pacífica e solidária, proporcionando amplo acesso à justiça. E o mais importante: sua missão é criar uma rede de atuações conjuntas entre o Poder Judiciário e os outros órgãos da administração da Justiça – dentre eles os Cartórios de Registro Civil - , com vista a soluções diferenciadas (art. 1º, incisos I,III e VII da Resolução n. 383/2002).
Logo, a Justiça Comunitária, definida por seu regimento interno como justiça cidadã e solidária não só pode como deve assumir a condição de canal de ligação entre a população carente e os outros órgãos do Poder Judiciário, desempenhando relevante papel na requisição de documentos indispensáveis ao exercício da cidadania, máxime porque é fato público e notório que os que a procuram não dispõem de condições financeiras para se deslocarem às mais diversas localidades do Estado para obterem a segunda via de suas certidões.
Portanto, em resposta à primeira indagação registro que, seja em decorrência de direito fundamental e garantia individual constitucionalmente assegurada aos hipossuficientes, seja em razão dos princípios e objetivos que regem a Justiça Comunitária, sob nenhum ponto de vista poderá o Oficial do Registro Civil deixar de atender as requisições ou se recusar expedir segundas vias de assentos de nascimento, óbito e casamento solicitadas pela 8ª Vara do Juizado Especial -  Justiça Itinerante e Comunitária da Capital em favor das pessoas reconhecidamente pobres, sendo condenável a recusa que somente pode ser tributada ao mero capricho ou a falta de espírito público que  sujeita o infrator às penalidades administrativas cabíveis.
 
Em segundo lugar indaga o consulente: “Se os Senhores Registradores podem ou não inserir nas certidões emitidas por solicitação deste Juízo a observação acima transcrita?”
Como bem anotaram Maria Auxiliadora Anderson, membro do grupo correicional e Ary da Cruz Vieira, Diretor do Departamento, a inserção da observação de que as certidões solicitadas pela 8ª Vara do Juizado se destina ao uso da Justiça Comunitária “traz em seu bojo equívoco no que concerne ao fundamento legal do art. 30, § 2º, do Provimento n. 12/2005 da Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, uma vez que todos os artigos do Provimento 12/2005 foram revogados por força do art. 35 do Provimento n. 14/2005 e do art. 26 do Provimento n. 15/2005”.
A exigência de se registrar no texto a finalidade a que se presta a certidão não diz respeito aos órgãos do Poder Judiciário, tão somente às requisições formuladas por órgãos públicos, ou seja, a União, o Estado e suas respectivas autarquias e fundações públicas e os Municípios e suas autarquias, conforme estabelece o art. 16 da Lei n. 3003/2005.
Tal ressalva consta do Provimento n. 15, de 1º de novembro de 2.005, mais especificamente no seu art.14, verbis:
Art. 14. As requisições de certidões formuladas pelos órgãos públicos que gozem de isenção de emolumentos devem consignar a finalidade para a qual será utilizada.(grifei)
Parágrafo único. A certidão expedida nos termos do disposto no caput deve trazer registrada em seu texto que não se presta a outra finalidade senão àquela constante do requerimento”.
Isto por um lado. Por outro por força da recente Lei n. 11.789, de 02 de outubro de 2.008 o Oficial está terminantemente proibido de inserir nas certidões de que trata o § 1º do art. 30 da Lei dos Registros Públicos, expressões que indiquem condição de pobreza ou semelhantes.
Portanto, respondendo a segunda e última indagação consigno que, nas requisições solicitadas pela Justiça Itinerante e Comunitária, não há nenhum embasamento legal que autorize o Oficial a registrar no texto que a certidão foi emitida para uso da Justiça Comunitária de Campo Grande, até porque a expedição da segunda via se destina ao uso do(s) registrando(s) e não daquela justiça especializada. O Oficial está ainda proibido de inserir nas certidões de que trata o § 1º do art. 30 da Lei dos Registros Públicos qualquer registro de expressões que indiquem condição de pobreza ou semelhantes, conforme determina o § 4º do art. 30 da LRP, incluído pela Lei n. 11.789/2008.
É o parecer, sub censura que submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência.
 
Campo Grande, 18 de Novembro de 2.008.
 
Paulo Rodrigues
Juiz Auxiliar da CGJ/MS
 
 
 
 
CONSULTA N. 2008.960211-3.
CONSULENTE: JUIZ DE DIREITO DA 8ª VARA DO JUIZADO ESPECIAL ITINERANTE DA COMARCA DE CAMPO GRANDE.
 
 
Homologo, em todos os seus termos, o parecer emitido pelo Juiz Auxiliar da Corregedoria, Dr. Paulo Rodrigues nos autos em epígrafe, determinando a remessa de cópia ao consulente.
Após, observadas as formalidades legais, arquive-se os presentes autos.
Campo Grande, 18 de Novembro de 2.008.
 
 
Des. Divoncir Schreiner Maran
Corregedor-Geral de Justiça